O Brasil vive uma realidade devastadora na saúde mental. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 23 milhões de brasileiros têm algum transtorno. O Brasil lidera o ranking mundial em prevalência de transtornos de ansiedade e detém a maior taxa de depressão em toda a América Latina. Como se não bastasse, o suicídio ceifa 15.000 vidas por ano no país. Esses números não apenas refletem uma crise de saúde pública, mas evidenciam uma situação de sofrimento social profundo e crônico, que afeta milhões de pessoas.
A grande maioria dos que enfrentam problemas de saúde mental depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para obter tratamento. Cerca de 80% da população brasileira não tem acesso a planos de saúde privados ou a consultas particulares. Diante desse cenário, seria esperado que o sistema público de saúde fosse capaz de oferecer os tratamentos mais eficazes, mas, infelizmente, a realidade é outra. As intervenções psicológicas oferecidas no SUS carecem de embasamento científico.
Profissionais com vasta experiência no sistema público de saúde vêm denunciando essa situação. Henrique Tobal da Paz, psicólogo com 10 anos de atuação no SUS, descreve o panorama da psicoterapia no setor público como caótico: “os psicólogos não têm nenhum embasamento científico, cada um faz de um jeito, é uma bagunça.” . O testemunho de Kauane Santos, também psicóloga com uma década de experiência no SUS, reforça esse relato: “Os tratamentos oferecidos não seguiam os avanços científicos, nem consideravam alternativas terapêuticas mais adequadas.”. Essas falas revelam um sistema fragmentado, em que as práticas clínicas não seguem um padrão baseado em evidências, o que culmina em enorme variabilidade e improvisação nos cuidados prestados.
A falta de embasamento científico é particularmente evidente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades que têm o compromisso de oferecer cuidado especializado para pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Lidiane Reis da Silva, que atua em um CAPS, revela que “o ambiente tem predominância da psicanálise e não há nenhum tipo de intervenção que tenha base em evidências.”. Esse relato é emblemático, pois aponta para um dos principais problemas do atual estado da psicoterapia no SUS: a hegemonia da psicanálise.
Entretanto, a constatação da predominância da psicanálise na saúde pública não deveria ser surpreendente, uma vez que 57% dos autores-referência que embasam o trabalho dos psicólogos no país são psicanalistas. Apesar de sua ampla aceitação no Brasil, a psicanálise é uma prática pseudocientífica elaborada a partir de especulações arbitrárias, falácias lógicas e relatos clínicos inventados ou fraudados, o que está amplamente documentado em livros como “Why Freud Was Wrong: Sin, Science, and Psychoanalysis” (Richard Webster), “Freud’s Patients: A Book of Lives” (Mikkel Borch-Jacobsen), “Freud: The Making of an Illusion” (Frederick Crews) e “Freud: El Crepúsculo de un Ídolo” (Michel Onfray).
Do ponto de vista ético, a situação é ainda mais grave. Como profissionais da saúde, os psicólogos têm o dever de utilizar intervenções que aumentem a probabilidade de benefícios para seus pacientes, o que inclui a redução dos sintomas vinculados a um determinado diagnóstico, restauração da funcionalidade e melhora na qualidade de vida. Porém, em um artigo intitulado “A clínica psicanalítica na saúde pública: desafios e possibilidades”, os autores (psicanalistas) deixam claro que a psicanálise “não pretende primariamente ampliar a qualidade de vida dos indivíduos” e que “distintamente das inúmeras abordagens psicoterápicas, o trabalho analítico não tem como foco os efeitos terapêuticos”.
Como podemos aceitar que o SUS ofereça esse tipo de intervenção, se nem mesmo seus defensores acreditam que ela pode produzir mudanças clinicamente relevantes? Negligenciar modalidades de tratamento que contam com evidências robustas acerca de sua eficácia em favor de uma intervenção com pouca ou nenhuma base empírica é eticamente condenável. Ao ignorar os melhores tratamentos disponíveis, o psicólogo não apenas deixa de ajudar o paciente, mas pode, potencialmente, agravar seu sofrimento.
Em um sistema de saúde pública, em que os recursos são escassos e o número de profissionais disponíveis é insuficiente para atender à demanda, a eficácia das intervenções é fundamental. Se o objetivo do SUS é promover o bem-estar da população, é inadmissível que a psicoterapia oferecida ainda se baseie em abordagens sem comprovação científica, como a psicanálise, enquanto terapias eficazes, como as comportamentais e cognitivo-comportamentais, são subutilizadas.
Oferecer psicanálise no SUS é virar as costas para aqueles que mais precisam. Milhões de brasileiros com transtornos mentais depositam nos psicólogos dos CAPS e de outros serviços públicos a esperança de uma vida melhor, mas recebem uma intervenção que, de acordo com os seus próprios praticantes, não visa a recuperação do paciente. Assim, em nome de uma tradição sem respaldo científico, a psicoterapia oferecida no SUS hoje representa verdadeiro descaso com a saúde mental da população.
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Autor do artigo: Jan Leonardi | Fonte: Revista Questão de Ciência