Veneno de aranha brasileira e o tratamento contra câncer


O trabalho, conduzido há cerca de 20 anos por cientistas do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Butantan, em São Paulo, avalia o potencial terapêutico de uma substância obtida a partir da Vitalius wacketi, uma aranha que habita o litoral paulista.

O candidato a remédio oncológico, porém, não é feito diretamente do veneno: as moléculas foram isoladas, purificadas e sintetizadas em laboratório, a partir de técnicas desenvolvidas e patenteadas pelos especialistas brasileiros.

Nas pesquisas iniciais, a molécula em teste mostrou-se promissora no combate à leucemia, o tipo de tumor que afeta algumas células sanguíneas. Além disso, ela apresentou algumas vantagens estratégicas quando comparada aos métodos disponíveis atualmente para tratar essa doença, como a quimioterapia.

No entanto, os estudos com a substância ainda estão nos estágios preliminares. É preciso experimentá-la em mais células e cobaias para observar a segurança e a eficácia — para só depois começar os testes clínicos com seres humanos. Os profissionais dizem que já negociam com empresas farmacêuticas para fazer parcerias e obter os investimentos necessários para seguir adiante.

DÉCADAS DE INVESTIGAÇÃO

Essa história começa há cerca de três décadas, quando cientistas do Instituto Butantan fizeram uma série de expedições pelo litoral de São Paulo.

Nós geralmente éramos chamados para regiões em que aconteciam movimentações, como o corte de árvores e desmatamento. Nessas visitas, fazíamos a coleta de aranhas. – Pedro Ismael da Silva Junior, biólogo do Laboratório de Toxinocologia Aplicada do Butanta.

Rogério Bertani, também do Butantan, fez estudos e reclassificações taxonômicas da Vitalius wacketi — e outras aranhas — da década de 1990 em diante. Alguns anos depois, o bioquímico Thomaz Rocha e Silva, que hoje trabalha no Einstein, entrou em cena. Quando ele estava terminando a formação acadêmica, no início dos anos 2000, resolveu investigar as possíveis atividades farmacológicas de algumas substâncias encontradas no veneno dessas espécies.

Ao estudar aranhas do gênero Vitalius, encontramos no veneno uma atividade neuromuscular. Fomos atrás da toxina responsável por esse efeito, que era uma poliamina grande e instável”, lembra ele.

Os cientistas publicaram essa investigação em periódicos acadêmicos, mas, como não havia um interesse comercial imediato na molécula, eles acabaram engavetando o projeto. “Anos depois, um aluno me disse que gostaria de estudar o potencial citotóxico desses mesmos venenos”, conta Rocha e Silva. Então, os cientistas resolveram fazer um painel de testes e análises para avaliar as toxinas encontradas em várias aranhas do gênero Vitalius.

E vimos que uma toxina encontrada na Vitalius wacketi possuía uma poliamina pequena e com uma atividade bastante interessante. – Thomaz Rocha e Silva, bioquímico.

Rocha e Silva isolaram e purificaram essa molécula. Depois, Silva Junior a sintetizou, ou seja, criou uma versão química idêntica, sem a necessidade de extraí-la diretamente da aranha. Na sequência, testamos essa substância em vitro, colocando-a junto de células cancerosas para observar sua ação.

Descobrimos que a molécula tem uma atividade importante contra as células cancerosas, causando sua morte por meio de um processo chamado apoptose. Isso é significativo porque os tratamentos tradicionais geralmente causam necrose, o que pode gerar reações inflamatórias no organismo.

Na apoptose, o sistema imunológico é alertado sobre a morte das células doentes, resultando em uma reação mais controlada e com menos impacto para outros órgãos e tecidos. Além disso, a molécula sintética desenvolvida a partir do veneno da aranha facilita a fabricação e reduz os custos.

Inicialmente, testamos a poliamina contra a leucemia, mas estamos ansiosos para analisar sua atividade contra outros tipos de tumores.

PRÓXIMOS PASSOS

Após essa análise in vitro que apresentou resultados promissores, as equipes de inovação das instituições correram para patentear a novidade e garantir a propriedade intelectual. A farmacêutica Denise Rahal, gerente de parcerias e operações do Health Innovation Techcenter do Einstein, explica que a patente está relacionada ao processo de purificação e sintetização desenvolvido pelos pesquisadores, e não à molécula em si.

As cobaias também precisarão avaliar a eficácia e a segurança da substância em organismos mais complexos do que um conjunto de células. Se esses testes forem bem-sucedidos, o projeto evoluirá para a chamada fase clínica, dividida em três etapas diferentes. O objetivo aqui é estudar como a substância age em seres humanos — e se realmente pode funcionar como um tratamento contra o câncer. Caso os resultados sejam de fato positivos, a droga poderá finalmente ser submetida à aprovação nas agências regulatórias, como a Anvisa, para ser usada em clínicas e hospitais.


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